sábado, 28 de maio de 2011

Taxi Driver


"A mentally unstable Vietnam War veteran works as night-time taxi driver in a city whose perceived decadence and sleaze feeds his urge to violently lash out"
imdb.com

- O amigo acredita em Deus?
A pergunta apanhou-me desprevenido. Deus? Eu estava dentro de um taxi, tinha fechado a porta e indicado o destino. Ainda pensei em sair, mas o carro já corria, às curvas, por entre o trânsito transtornado de Lisboa. Assim, acomodei-me no assento, suspirei fundo e preparei-me para o pior. (José Eduado Agualusa)
...
O carro guincha com a travagem brusca a que o sinal vermelho o obriga. É meio-dia e as badaladas da Basílica da Estrela vêm em meu auxílio. Faço-lhe sinal que não o estou a ouvir e finjo concentrar-me nos papéis que tenho na mão. Fito o personagem pelo canto do olho, buscando, ansioso, sinais da sua rendição.
O sinal fica verde e o taxi arranca, reganhando velocidade. Pelo vidro entreaberto entra o cheiro a Primavera exalado pelo Jardim da Estrela. O tempo passa sem que nenhum som me chegue do banco da frente.
Suspiro de alívio e deixo o meu olhar perder-se na paisagem urbana lá fora, sem me aperceber de que estou a baixar a guarda. Numa esquina do Rato, o motorista apanha-me novamente.
- Então, amigo? Acredita ou não?!
Desta vez, não tenho onde esconder a falta de interesse. Resolvo que a melhor estratégia é distraí-lo com uma piada e retaliar de seguida.
- Não, amigo. Sou ateu, graças a Deus!...- E o senhor?
Pelo espelho retrovisor vejo o seu olhar contrariado e percebo que nem a piada, nem a pergunta, nem a minha falta de profundidade filosófica lhe caíram no goto.
Volto a concentrar-me na papelada, confiante de que tinha conseguido pôr fim à conversa.
Mas logo o taxista, aproveitando um novo sinal vermelho para se voltar ligeiramente no assento, olha-me com um sorriso matreiro e diz:
- Olhe, se Deus existe ou não, sinceramente, não sei .... Mas acredito piamente que, este ano, Jesus vai ganhar o campeonato....!

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Rabbit-Proof Fence

"In 1931, three aboriginal girls escape after being plucked from their homes to be trained as domestic staff and set off on a trek across the Outback"
imdb.com

Esta manhã fui tomar o pequeno-almoço ao café do cimo da rua.
Como habitualmente, pedi uma meia-de-leite e um bolo e sentei-me à janela.
Olhei lá para fora e vi um coelho (ou seria lebre do campo?) a saltitar ali perto, junto à vedação que separa o meu pacato bairro de uns terrenos baldios ainda a salvo da civilização.
Ver o coelho aos pinotes por entre a vegetação rasteira fez-me feliz. O dia, que começara cinzento e inexplicavelmente triste e cansado, ganhou um novo alento ainda antes de a cafeína ter tido tempo de fazer efeito.
O coelho parecia, aos olhos da minha imaginação, feliz, motivado e com um rumo definido. Esta pequena amostra de natureza devolveu-me um sentimento de esperança não sei bem de quê ou em quê. Talvez de que nem tudo seja desprovido de sentido; que ainda haja um futuro digno de ser salvo. Esperança de que, ao transpor a vedação dos dias tristes, também eu possa encontrar um rumo e um propósito de vida.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Os Dez Mandamentos

"The Egyptian Prince, Moses, learns of his true heritage as a Hebrew and his divine mission as the deliverer of his people"
imdb.com

Cecil B. DeMile filma esta história biblica em 1923, retomando o tema em 1956, já em technicolor.
Em 1981, Mel Brooks dedica um segmento do hilariante History of the World, Part I a parodiar o discurso de Moises no Monte Sinai.
Em tempos de crise e desgoverno, a minha amiga MMP recriou o texto das tábuas, adaptando-o à realidade de cada vez mais portugueses, com muita ironia e carinho.
Eis os 10 mandamentos do Desempregado:
I – Amarás o Descanso acima de todas as coisas
II – Não cobiçarás o emprego do próximo
III – Saborearás com alegria cada segundo de Liberdade
IV – Não perderás jamais a estreia de um filme
V – Não sairás da cama antes das 14h
VI – Cuidarás do teu corpo e da tu mente
VII – Não aceitarás ofertas de emprego inferior a 5000€ / mês
VIII – Aproveitarás Sábados, Domingos e dias de semana
IX – Não desperdiçarás nenhuma ocasião para viajar
X – Honrarás o tempo passado com a família e os amigos.

Los Lunes al Sol


Los Lunes al Sol é um filme espanhol protagonizado por Javier Bardem, com 5 Goyas e vários prémios internacionais no curriculum.

Um grupo de desempregados ocupa os dias conversando ao sol ou apanhando bebedeiras de caixão à cova.

Qualquer semelhança entre este enredo e a realidade será uma parcial e passageira coincidência.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

A Rede Social


"A chronicle of the founding of Facebook, the social-networking Web site"
imdb.com

Quando o Guga, o cão do meu irmão, desapareceu há 10 dias, fizemos de tudo ao nosso alcance para encontrá-lo: contactamos vizinhos, o canil municipal e o hospital veterinário. Batemos a portas e vasculhámos matas.
Só por último, e já em desespero, recorri ao Facebook.
Para muitos, este teria sido o primeiro recurso, mas confesso-me muito céptica em relação a tudo o que é apelo lançado ao canal virtual.
Hoje, porém – oh! mulher de pouca fé! - fui forçada a render-me.
E, com que incondicional alegria!
Meia hora depois do chamamento cibernético, recebo a chamada de quem resgatara o Guga do meio da estrada numa noite de chuva. Mais uma hora e a fita terminou com um final feliz.
Obrigada Cristina, Camila, Gabriela, Nuno e... Mark Zuckerberg!

Impacto Profundo

“Unless a comet can be destroyed before colliding with Earth, only those allowed into shelters will survive. Which people will survive?”
Imdb.com

Lembrei-me deste filme a propósito de um exercício proposto no curso Desformatar Através da Escrita.
Apresentam-nos 14 personagens:
1.    Violinista, 40 anos. Viciado em narcóticos.
2.    Advogado, 25 anos.
3.    Mulher do advogado, 24 anos. Acabou de sair de um manicómio.
4.    Sacerdote, 75 anos.
5.    Prostituta, 24 anos. Vegetariana.
6.    Ateu, 20 anos. Autor de vários homicídios
7.    Cigano, 40 anos. Contrabandista de armas e traficante de drogas.
8.    Universitária. Fez voto de castidade.
9.    Físico, 28 anos. Tem uma arma.
10.  Declamador fanático. 21 anos.
11.  Modelo negra, 28 anos. Sofre de claustrofobia
12.  Menina, 12 anos. Possui baixo Q.I.
13.  Homossexual, 47 anos.
14.  Débil mental, 32 anos. Sofre de ataques epilépticos

A cidade onde habitam será alvo de um atentado final. Existe um abrigo para 7 pessoas que serão as únicas a salvarem-se.
Desafio: escrever um comunicado, avisando os 7 que NÃO terão lugar no abrigo.

COMUNICADO
Caros cidadãos de Deixa-o-Resto!
Depois de aturada deliberação por parte dos membros do Departamento de Jogos da Pouco-Santa Casa, entretanto já atingidos mortalmente, comunica-se que o acesso ao bunker será vedado:
- aos que desperdiçaram o dom da música entregando-se ao consumo de drogas;
- às mulheres que não tiveram escrúpulos em casarem-se com profissionais de moral duvidosa (atestados de frequência de manicómios não serão aceites como desculpa);
- a homens de chapéu negro que escravizam burros com cargas bélicas e estupefacientes;
- a todos os homens que possuam armas, independentemente de serem franzinos ou detentores de físicos de Adónis;
- a meninas com Q.I. deflacionados devido a horas de exposição à Hannah Montana;
- a homossexuais, a não ser que venham dentro de armários Ikea já devidamente montados;
- a débeis mentais com ataques epilépticos i.e. políticos.
Lamentamos o incómodo que isto vos possa causar e desejamos que tenham melhor sorte em vidas futuras.

Escrever Escrever
Abril 2011

quinta-feira, 19 de maio de 2011

P.S. I Love You

 "A young widow discovers that her late husband has left her 10 messages intended to help ease her pain and start a new life"
imdb.com

Cara R,
Quando estiveres a ler estas linhas, espero que eu já não exista.
Espero ter-me despido de todos estes defeitos e feitios velhos, que me ficam tão mal e de que certamente já não precisas.
Quero que existas só tu.
Quando receberes estas linhas, escreve-me e diz-me que conseguiste.
Diz-me que deixaste de ter medo; que mataste as indecisões. Anuncia-me que finalmente escolheste o teu caminho e que estás a viver cada dia com alma e com paixão.
No entanto, se ainda estás perdida algures num labirinto de escolhas; agarrada a intolerâncias mesquinhas e necessidades desnecessárias, faz-me um favor: finge que não me conheces! Já tenho problemas que cheguem!!
Saudações esquizofrénicas,
R

P.S. – Pois é! Metade de ti é mentira porque nunca tiveste a coragem de subir para um cavalo e cavalgar sem destino. Atiras sempre a matar, mas nunca acertas no alvo!
J. W.
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Desformatar Através da Escrita.
Carta ao meu Eu futuro, com post-scriptum de um personagem influente.
Escrever Escrever * Abril 2011

terça-feira, 17 de maio de 2011

O Feitiço da Lua

"A widowed Brooklyn book-keeper is torn between her fiancé and his brother"
imdb.com

Noite de lua cheia. Sempre fascinante. Sempre enfeitiçante.
Quando a lua está quase, quase cheia, os seus raios inundam a minha varanda de luz e a minha sala é envolvida por um brilho leitoso, intenso, etéreo. Quase que se pode ler à luz de tal luz.
Ah... La Bella Luna!
Há quem escolha a lua cheia para um primeiro beijo, ao som do mar.
Há quem associe a lua a vampiros. Eu prefiro a ópera.


Em tempos que já lá vão, dizia-se que a lua era feita de queijo. Aliás, se pensarmos bem, até faz sentido, já que a Via Láctea fica mesmo ali ao pé. Wallace & Gromit provaram-no, ao queijo da lua, de tal maneira que quando Armstrong lá chegou, já só havia rocha.

Também por isso, já cantava Dean Martin: quando a lua atingir o teu olhar como se fosse uma pizza.... não é fome.... that’s amore!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Barton Fink

Há dias, entre um episódio e outro do Hell’s Kitchen, o zapping levou-me a um canal que transmitia o genialmente louco Barton Fink dos Irmãos Coen.
- Ena! Há tanto tempo que não via isto!
Deixei-me ficar.
Certas noites acordo com o burburinho das ideias a fervilhar na cabeça.
- Tenho de escrever isto!!!
De onde vem a necessidade não sei, mas é suficientemente forte para me fazer abandonar o vale dos lençóis e caminhar tropegamente até à sala. Ligo o computador, abro o Word e ..... nada....!
A página em branco devolve-me o olhar estremunhado, com ânsias de ser preenchida.
Nada....
As minhas ideias brilhantes desvaneceram-se; tornaram-se obtusas e banais durante o curto trajecto que separa o quarto da sala. Acabo inevitavelmente por amaldiçoar ter-me levantado.
Isto de escrever pode ser um prazer angustiante!!!!
Voltemos ao que se passa no ecrã. Barton Fink, dramaturgo de sucesso em New York, é convidado a escrever argumentos para Hollywood. Ao chegar a Los Angeles começa a sofrer de writer’s block (certamente após ter atravessado um corredor devorador de ideias como o que tenho em casa).
 Agora mesmo estou a vê-lo sentado na cama do exíguo quarto de hotel, com um olhar vazio e assustado, enfrentando a máquina de escrever (ah, a acção desenrola-se nos anos 30 do século passado). A câmara dos Coen começa a afunilar o angulo na direcção da folha de papel em branco enquanto a música sobe de tom e ganha contornos aterrorizadores.
É de mais para mim!
Zap! Zap! Zap!
Regresso ao Hell’s Kitchen, a tempo de ouvir Chef Ramsey gritar “It’s fucking raw, you lazy bitch!!”
-Yes, Chef!
Haverá coincidências?....

terça-feira, 10 de maio de 2011

A vida como nos filmes

"I mean I’d always wanted to live my life in an old movie – sort of fairy-tale you know? Mind you, I suppose if you think that a lot of fairy-tales turn out to be nightmares, and that a lot of old movies are crap, then that’s what I did."

Nem mais!
Esta é uma das pequenas brincadeiras com as ironias da vida que me fez apaixonar por In the Bleak Midwinter.
É um encantador filme a preto e branco, que acompanha um grupo de actores de talento duvidoso nos ensaios de uma improvisada representação de Hamlet, em vésperas de Natal.

Realidade mais distante da minha não poderia haver.
E, no entanto, há qualquer coisa na personagem de Michael Malony (o encenador) que .... bem.... digamos que .... soa familiar....

"It was late November, er... I think.... and I was thinking about the whole Christmas thing, the birth of Christ, Wizard of Oz, family murders, and quite frankly I was depressed. (...)
Er, the thing was, you know the way doctors say that nervous breakdowns can happen, very fast and dramatically; sort of a big bang, or, (...) that happen very slowly, over a period of time. Well (...), this one started when I was about seven months, it had just begun to get a grip…"

A fita do VHS já está gasta de tanto visionamento na década de 90.

Tenho uma saudade incrível de rever estas personagens malucas, dramáticas e divertidas. O encenador deprimido, a ingénua com falta de vista, o alcólico que "lambe selos", o ex-actor-criança com complexo de Peter Pan, o galã vegetariano, o drag-queen. Caricaturas que, na escrita de Kenneth Branagh, que tão bem lhes conhece egos e fragilidades, ganham uma dimensão humana e realista.
Quando é que esta pérola terá honras de DVD, HEIN??!!!!

domingo, 8 de maio de 2011

Banhada aos elefantes

Um jovem estudante de veterinária abandona os estudos após a morte dos pais e junta-se a um circo itinerante.
Três motivos me levaram a ir ver este filme: Richard LaGravenese, Christoph Waltz e.... o elefante.
Christoph Waltz, retoma o papel de sádico de Inglorious Basterds, desta vez assumindo contornos mais subtis. Voltou a conquistar-me ao ser absolutamente convincente no papel de um homem atormentado pelo ciúme e consumido pela violência.
Richard LaGravenese é um dos meus argumentistas preferidos. Gosto da inteligência com que escreve. Os seus textos comovem, fazem pensar, inspiram. Tenho acompanhado a sua carreira, desde o irreverente e brilhante The Fisher King, um dos filmes da minha vida.
Nada disto, a meu ver, está presente em Water for Elephants. Os diálogos são banais e o enredo, aparvalhado, não traz nada de novo. Suponho que até os bons têm momentos menos inspirados. Tenho de me lembrar disso....
A fotografia é encantadora e os animais do circo quebram a monotonia. Acabei por não dar o tempo por mal empregue. Enquanto as jovenzinhas da fila da frente se embeiçavam pelos olhinhos de carneiro do ex-vampiro Robert Pattinson, eu fazia o mesmo perante o leão desdentado, a elefante poliglota, o inteligente Jack Russell e a doce hiena. Gostos!...

O Mundo a Meus Pés


Foi então que descobri que o título do meu blogue de viagens é quase um anagrama do título em português do filme Citizen Kane.
E assim nasceu mais um blogue.
Vamos falar de cinema e de outras cenas.
"Blogues de cinema há muitos, seu palerma!", poderão dizer.
Mas este é meu e, "frankly, my dear, I don't give a dam!"